sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Supremo e as Medidas Provisórias

O objetivo deste artigo é fazer uma análise do posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação a alguns pontos referentes às “Medidas Provisórias”, o polêmico “ato normativo com força de lei” que pode ser editado pelo Presidente da República em caso de relevância e urgência, presente no art. 62 da Constituição Federal.

As medidas provisórias são uma inovação do legislador constituinte de 1988, uma tentativa da manutenção de um poder normativo com força de lei nas mãos do Presidente da República para ser usado em questões urgentes e relevantes, mas, evitando-se os abusos e discricionariedades que marcavam o antecessor “Decreto-lei”.

Em princípio, não caberia ao Poder Judiciário verificar se os requisitos de relevância e urgência foram respeitados, conforme verificamos nas palavras do Supremo [
ADC 11-MC, voto do Min. Cezar Peluso, julgamento em 28-3-07]: “... os conceitos jurídicos indeterminados de 'relevância' e 'urgência' (...) apenas em caráter excepcional se submetem ao crivo do Poder Judiciário, por força da regra da separação de poderes (art. 2º da CF).

Porém, o STF lembra que “a crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem despertado graves preocupações de ordem jurídica, em razão do fato de a utilização excessiva das medidas provisórias causarem profundas distorções (...) entre os Poderes Executivo e Legislativo”. [
ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-4-02]

Assim, a implantação desta espécie normativa não surtiu completamente o efeito desejado com a entrada em vigor da Constituição de 1988, precisou-se regulamentá-la novamente, e isto foi feito pela EC 32/01 que inseriu diversos parágrafos no texto do art. 62 da Carta Maior. Esta regulamentação ainda é vista como incipiente já havendo movimentação para uma nova tentativa.

A Constituição determina que desde a sua edição, as medidas passarão a vigorar com força de lei e, desde logo, o Presidente da República deverá submetê-las à apreciação do Congresso Nacional. Destaca-se o posicionamento do Supremo, no qual o Presidente da República sequer pode decidir sobre a “retirada” da medida que já esta em vigor, pois, com força de lei, só poderia deixar de vigorar através de uma revogação por um ato de mesma hierarquia [
ADI 2.984-MC, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 4-9-03].

Submetidas ao Congresso, haverá uma deliberação sobre o ato que, se aprovado, dará origem à chamada “lei de conversão”, lei ordinária que tem o objetivo de manter perene o então provisório teor da antiga medida. Sobre essa lei de conversão o Supremo decidiu [
ADI 4.048-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-5-08]: “(...) A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória.”. Desta forma, se a medida provisória era inconstitucional, nula também será a lei de conversão, pois esta não tem o condão de sanar as irregularidades anteriormente cometidas pela MP originária.

Como já relatado, antes da EC 32/01, as medidas provisórias eram muito menos regulamentadas, o que permitia um uso extremamente abusivo deste tipo de ato normativo, o art. 62 contava com apenas seu caput e um parágrafo único. A referida emenda constitucional detalhou na própria Constituição as regras que atualmente vigentes, incluindo 12 parágrafos. Além disso, a EC 32/01 trouxe em seu art. 2º uma regra de transição para as medidas editadas antes da vigência da emenda, do seguinte modo:

--- [Antigo Caput do art. 62 e seu § único]: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias com força de lei(…) As medidas provisórias perderão sua eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de 30 dias a partir de sua publicação, devendo o CN disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes”.

---[Art. 2° da EC 32/2001]: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória posterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do CN”.

---[STF, RE 378.691-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 13-5-08]: “O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que não perde a eficácia a medida provisória – anterior à EC 32/01 -, com força de lei, não apreciada pelo Congresso Nacional, mas reeditada, por meio de nova medida provisória, dentro de seu prazo de validade de trinta dias”.

Outra disposição importante é o art. 246 da Constituição Federal, que também possui redação dada pela EC 32/01: “É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive”.

Assim, nenhum artigo da Constituição que teve sua redação modificada por Emenda Constitucional entre 1º de Janeiro de 1995 e 11 de Setembro de 2001, poderá ser “regulamentado” através das MP ‘s, porém, o Supremo adverte que essa limitação só é verificada se a houver realmente o intuito de regulamentar, não sendo estendida às MP ’s com finalidade diversa de tal. [STF, RE 378.691-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 13-5-08]: “Contribuição Social sobre o Lucro. Lei n. 7.689/88. Alteração do percentual. Medida provisória n. 1.807-02/99 e reedições. Perda de eficácia de suas disposições. Violação do artigo 246 da Constituição do Brasil (...) A MP 1.807-02/99 e suas reedições, não regulamentam o art. 195, I, da CF/88, anteriormente alterado pela EC 20/98, vindo, apenas, a elevar o percentual da Contribuição Social sobre o Lucro instituída pela Lei n. 7.689/88, o que é plenamente aceito por este Tribunal”.



Questão recente sobre esta polêmica espécie normativa surgiu no que se refere ao § 6º do art. 62 da Constituição: “Se a medida provisória não for apreciada em até 45 dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”.

Costuma-se dizer que, se em 45 dias a MP não for apreciada pelo Congresso, ela “trancaria a pauta” da casa na qual estivesse pendente de deliberação. Essa disposição era alvo de críticas há diversos anos, pois, com o uso indiscriminado de MP ’s pelo Poder Executivo, os parlamentares alegavam um “engessamento” do Poder Legislativo, já que o mesmo não poderia deliberar sobre outras matérias enquanto não apreciasse as tais Medidas Provisórias, que eram excessivas.

O atual presidente da Câmara dos Deputados, o constitucionalista Michel Temer, defendeu a tese de que, pelo fato das MP’s só poderem tratar de matéria de lei ordinária, elas não trancariam a pauta de deliberação de Leis Complementares, Emendas Constitucionais e Resoluções. Estas, segundo Temer, não haveriam por estar sobrestadas, podendo ser deliberadas normalmente em sessões extraordinárias, ficando sobrestadas apenas as deliberações ordinárias da casa.

Essa interpretação dada por Temer, foi inicialmente no dia 27 de Março, apoiada pelo Ministro do STF Celso de Mello que indeferiu o pedido de liminar feito por líderes da oposição em Mandado de Segurança (MS 27931), onde se questionava a ofensa ao dispositivo constitucional. A decisão de mérito sobre o tema ainda não foi firmada, porém caminha-se para uma nova interpretação da disposição constitucional.

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